domingo, 30 de março de 2014

Transposição, interligação e outras querelas da gestão das águas...

O debate que se trava agora em torno do projeto de Transposição das águas da bacia do rio Paraíba do Sul, e do papel dos Comitês de Bacia na tomada de decisão, não é novo. Remete à implantação das primeiras políticas estaduais de Recursos Hídricos, prévios à legislação federal. Notadamente o estado de SP, pioneiro que foi, protagonizou um movimento de descentralização administrativa - não política - como se fosse esta a essência da lei. A rigor, o estado tutelou o processo de implantação da política estadual de recursos hídricos, esvaziando, desde a origem, o papel dos comitês de bacia na tomada de decisões. O movimento atual é exemplo claro deste processo. O projeto anterior, mais conhecido, de transposição do Paraíba do Sul, previa captação em águas de domínio federal. Diante das dificuldades de negociação a serem enfrentadas no âmbito federal - que envolveria os 3 estados e a união - o governo lançou mão de um projeto de "interligação" - que permite uma transposição de mão dupla - onde capta água de domínio estadual e, portanto, escapa à negociação federal, como já tem dito o governador. O anúncio público - e político - do projeto foi feito sem o conhecimento prévio dos comitês de bacia envolvidos - o CBH Paraíba do Sul, trecho paulista, teve reunião emergencial para apresentação 2 dias depois de anunciado na imprensa, corroborando o que disse o Percy: mais parece uma chicana política. Até o momento, o projeto não foi apresentado em detalhes, embora já se anuncia que não haverá impactos.
Diante do quadro de operação hídrica atual, do cenário eleitoral, e da tutela estatal sobre os comitês de bacia, não resta muito otimismo em relação ao SINGREH no que concerne à este objeto.
Nota: antes do posicionamento do Comitê, o governador reuniu os prefeitos do Vale do Paraíba e, ao apresentar o projeto, parece ter obtido a conversão até dos mais resistentes, sabe-se lá com que tipo de pirotecnia. Juntos, os representantes dos municípios, somados aos do estado e das concessionárias de saneamento (ora do estado ora dos municípios), são suficientes para garantir amparo ao projeto no Comitê. 

Em relação ao projeto em si, vale algumas considerações:
- o projeto não resolve a pressão atual de demanda da RMSP, apenas a alivia, garantindo um pequeno fôlego em situações críticas;
- situações críticas seriam vivenciadas pelas duas bacias, tanto a doadora quanto a receptora, em razão de sua similaridade climática. Ou seja, o momento de maior necessidade na RMSP é o momento de maior criticidade no Vale do Paraíba;
- enquanto a RMSP tem taxas de crescimento populacional decrescentes, a região do Vale do Paraíba é uma das que mais cresce no estado, projetando aumento da criticidade no futuro de médio e longo prazos. Ressalte-se que a RMSP está bem próxima da universalização do saneamento - algo em torno de 98% - enquanto o Vale do Paraíba está bem aquém deste índice;
- supondo que a tomada de decisão seja de fato participativa e envolva os comitês das regiões doadoras - isso inclui MG e RJ - há que se discutir as questões de eficiência no uso da água - envolvendo até mesmo a transposição para a RM do Rio de Janeiro, com definição de metas claras sob controle social; e eventuais compensações que se dariam, por exemplo, em ações de revitalização e conservação de águas nas bacias doadoras.
Em tempo, nos dias 21 a 23 de maio esperamos discutir estas e outras questões com mais propriedade, para o qual convido a tod@s. Vide em www.redevale.ita.br/iisrhps.
Sds

Wilson Cabral