sexta-feira, 6 de junho de 2025

Uma cidade à venda! E para alguns pode ser uma pechincha...

A última versão do Plano Diretor do município de São José dos Campos, no estado de São Paulo, foi promulgada em 2018. Na ocasião, o então prefeito Felício Ramuth (hoje vice-governador do estado), e seu secretário de Urbanismo, Marcelo Manara, começavam a moldar o que se consolidou nos últimos anos: uma cidade à venda!  Um dos pilares deste movimento foi a instituição, no Plano Diretor, de um instrumento que permite que construtoras ampliem a área construída acima do gabarito básico estabelecido, desde que paguem por esta “outorga”. No entanto, no mesmo Plano Diretor, foi criado um mecanismo que permite às construtoras reduzirem o valor pago pela outorga, caso adotassem “técnicas sustentáveis”. À época, esse instrumento foi anunciado como um grande feito, digno das urbanidades mais avançadas. Até seria, sob critérios rigorosos e controle social. Afinal, quem define os limites máximos da permissão, e com que base técnica? E, para fins de concessão de descontos no valor a pagar por descumprir o gabarito básico, as “técnicas sustentáveis” deveriam ser o que há de mais avançado do mercado, sinalizando uma meta ambiciosa. No entanto, a tabela lançada no Plano Diretor contemplava diversos itens que já eram adotados nos procedimentos básicos das construtoras. Assim, o ‘glorioso’ instrumento serviu para conceder descontos “compulsórios”, tornando a outorga pouco ou quase nada onerosa.

Sete anos depois, agora sob a gestão do prefeito Anderson Farias, e do mesmo secretário anterior, a Prefeitura apresenta à Câmara proposta de revisão do Plano Diretor que altera a tabela do Fator de Sustentabilidade que incide sobre descontos da Outorga Onerosa do Direito de Construir. E o que era ruim fica pior com a proposta atual: o número de “técnicas sustentáveis” foi ampliado de 28 para 91, incluindo nova leva com o mesmo vício: muitas dessas técnicas já são procedimentos padronizados da construção civil. Com tantos itens, ficou mais fácil obter descontos. Além disso, a proposta atual reduz o valor da contrapartida financeira ao alterar sua fórmula: um bônus adicional para o construtor que optou por construir além do gabarito básico. A cidade está à venda e por um valor cada vez menor!

Como se não bastasse, a proposta cria um novo instrumento: a Outorga Onerosa por Alteração do Uso. Esta nada mais é do que a possibilidade de pagar para burlar os parâmetros de uso da zona em que se encontra o imóvel. Ou seja, pagar para não respeitar o zoneamento. A proposta libera este instrumento para a Macrozona de Potencial Turístico (MZPT, Figura 1), no meio rural, e para as Zonas de Uso Diversificado (ZUD, Figura 2), no meio urbano.


Figura 1. Macrozonas de Interesse Ambiental. Em azul, a MZPT. Fonte: PMSJC/SEURBS, 2019.

 São mais de 60 milhões de metros quadrados (ou 6 mil campos de futebol) em que o uso pode ser flexibilizado na MZPT, uma região cujo objetivo de ocupação é proteger o manancial da bacia do rio Jaguari, e outros 6 milhões de metros quadrados (ou 600 campos de futebol) nas Zonas de Uso Diversificado, em áreas urbanas.

Figura 2. ZM5 e ZUD no Zoneamento Municipal.

A proposta para alteração do zoneamento, dentre outras coisas mais pontuais, flexibiliza a construção de edificações com testada ou área inferiores ao mínimo estabelecido para a zona do imóvel, para alguns usos, dentre eles a Zona Mista 5 (ZM5, Figura 2). Nesta, cuja flexibilização era permitida apenas para o uso residencial, pela proposta também é permitida para imóveis de uso comercial, serviços e até industriais de baixo impacto. Esta flexibilização alcança cerca de 1,8 milhões de metros quadrados (ou 1800 campos de futebol). Nota: a justificativa do Prefeito é que isso beneficiaria imóveis mais antigos, no centro da cidade. No entanto, no caso da ZM5, a maioria das áreas está nas regiões norte, leste e sudeste do município.

A proposta de revisão do Plano Diretor e Zoneamento deixa para uma lei complementar a definição dos critérios de alteração. Importante lembrar que a atual gestão conta com maioria na Câmara e pode aprovar uma lei complementar quando quiser. Parece outro “cheque em branco” a ser passado para a administração municipal, cujo cumprimento do Plano Diretor tem sido precário. Basta pensar que, dos 8 instrumentos apontados para a execução do plano, apenas 2 têm sido objeto de ações do executivo. Itens importantes como o Estudo de Impacto de Vizinhança, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU progressivo), o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC), e a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, são itens que poderiam resolver boa parte dos problemas do município, mas são menosprezados pela administração. Em tempo: seu uso poderia incomodar os que detêm o poder econômico e beneficiaria a parcela mais vulnerável da população. Fácil entender quem ganha e quem perde com as mudanças propostas no Plano Diretor e no Zoneamento municipal.

Referências 

Lei do Plano Diretor vigente

https://www.sjc.sp.gov.br/media/239183/lc-612_compilada-revisada_665-e-668.pdf 

Lei do Zoneamento vigente (LPUOS)

https://www.sjc.sp.gov.br/media/239111/lc-623_2019-compilada-lc-667_2023.pdf

Proposta de alteração do Plano Diretor (maio/2025)

https://www.sjc.sp.gov.br/media/309981/rev_pddi_05-05-2025_minuta_site.pdf

Proposta de alteraçao da Lei de Zoneamento (maio/2025)

https://www.sjc.sp.gov.br/media/309979/rev_lpuos_05-05-2025_minuta_site.pdf 

sábado, 3 de maio de 2025

Áreas verdes nas cidades: sua importância e porque não devemos abrir mão delas! O caso de São José dos Campos/SP

A Câmara Municipal de São José dos Campos está para definir, em segundo turno, uma alteração no artigo 258 da Lei Orgânica Municipal, permitindo a mudança de destinação de áreas verdes e institucionais pela Prefeitura. Saiba o que está em risco.

A Lei Federal 6.766, em 1979 estabeleceu o regramento básico sobre o parcelamento do solo urbano nos municípios. Esta lei definiu, dentre outras coisas, os espaços públicos e sua destinação. Os espaços públicos incluem áreas verdes, institucionais e de lazer. A Lei Orgânica do Município (LOM) de São José dos Campos, promulgada em 1990, em seu Artigo 258 proíbe a alteração da destinação de áreas verdes e institucionais. Ou seja, uma vez definida uma área verde ou institucional em projetos de parcelamento do uso do solo (loteamentos), esta área não poderá ter sua destinação alterada posteriormente.

Áreas Verdes e Institucionais: sua importância para as cidades

No espaço público de qualquer cidade, as áreas verdes e institucionais desempenham um papel essencial na qualidade de vida urbana. São espaços que não apenas embelezam, mas também têm funções ecológicas, sociais e econômicas, contribuindo significativamente para o bem-estar das populações urbanas.

As áreas verdes são fundamentais para a manutenção do equilíbrio ambiental nas cidades. Elas atuam como reguladoras do clima, ajudando a reduzir a temperatura das cidades, reter gases poluentes e aumentar a umidade do ar. Além disso, são essenciais para a conservação da biodiversidade, funcionando como habitats para diversas espécies de fauna e flora. Além de sua função ecológica, estas áreas oferecem espaços de lazer e recreação, fundamentais para a saúde física e mental da população. A presença de parques e jardins públicos incentiva a prática de atividades físicas, promove o convívio social e melhora a qualidade de vida.

As áreas verdes urbanas são cada vez mais reconhecidas por seus serviços ecossistêmicos essenciais, especialmente em um contexto de desafios climáticos intensificados. Veja no quadro abaixo um breve resumo dos principais serviços ecossistêmicos proporcionados por essas áreas.

As áreas institucionais, por sua vez, são destinadas à instalação de equipamentos urbanos e comunitários, como escolas, postos de saúde e centros culturais. Elas são cruciais para garantir que a infraestrutura urbana atenda às necessidades de seus habitantes, proporcionando acesso a serviços essenciais. Essas áreas asseguram que o desenvolvimento urbano seja acompanhado por uma infraestrutura que suporte o bem-estar da comunidade, evitando a sobrecarga dos serviços públicos e garantindo que as necessidades dos habitantes sejam atendidas de forma adequada. Têm papel fundamental para um planejamento urbano mais equilibrado e sustentável e para a garantia dos direitos sociais e a inclusão nas cidades.

Mudança de destinação e seus impactos

Modificar a destinação de áreas verdes e institucionais pode acarretar sérios prejuízos para a sociedade. Um exemplo é a redução de áreas verdes em favor de novos empreendimentos imobiliários, o que pode aumentar a densidade populacional sem a correspondente ampliação da infraestrutura urbana, resultando em sobrecarga dos serviços públicos e degradação ambiental.

Casos emblemáticos demonstram que a perda de áreas verdes pode levar a problemas como aumento de inundações e deslizamentos de terra, devido à remoção da cobertura vegetal e impermeabilização do solo. Além disso, a falta de áreas institucionais adequadas pode comprometer a oferta de serviços públicos essenciais.

A sociedade tem reagido em todo o país às tentativas de alteração de áreas verdes e institucionais. Um caso emblemático ocorreu alguns anos atrás no Rio de Janeiro, onde a Prefeitura projetou a implantação de um autódromo na Floresta do Camboatá, uma importante área verde da cidade. A área é um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica no Rio de Janeiro, e sua destruição poderia ter impactos severos na biodiversidade local e no clima urbano. Após mobilização da sociedade e exposição do caso na mídia, a Prefeitura recuou e desistiu do projeto, reconhecendo a importância daquela floresta para a sociedade.

Em Fortaleza, um dos maiores parques urbanos do país, o Parque do Cocó, foi objeto, anos atrás, de projeto de implantação de novas estruturas de mobilidade urbana, incluindo viadutos e alças de acesso, com consequente perda de serviços ecossistêmicos. Além disso, há projetos de empreendimentos imobiliários que pressionam as bordas do parque continuamente. A mobilização da sociedade, contrária à alteração de destinação, tem conseguido manter o parque com seu propósito original, de área verde.

Mais recentemente, em Salvador, diversos casos de leilões de áreas verdes pela Prefeitura Municipal foram alvos de denúncias da sociedade, com reflexos na imprensa nacional e ações do Ministério Público. Em um curto período de tempo, foram mais de 44 terrenos em áreas verdes com destinação alterada e muitos colocados a venda. As principais queixas incluíram a perda de serviços ecossistêmicos, argumentos de inconstitucionalidade, ausência de consulta ou audiência pública e até valores abaixo dos praticados no mercado.

Um caso emblemático ilustra a mobilização da sociedade pela criação de uma área verde, em detrimento de novos empreendimentos imobiliários. O Parque Augusta, em São Paulo, cuja área foi declarada de utilidade pública para ser transformada em área verde foi objeto de projetos de expansão imobiliária pelos proprietários (duas construtoras). As tentativas de transformar parte do terreno em empreendimentos imobiliários gerou grande oposição pública devido à importância da área como espaço de lazer verde no centro da cidade. Após mais de 30 anos de disputa, a sociedade conquistou não só a manutenção da área verde, mas também a efetiva criação do Parque Augusta, inaugurado em 2019, ainda que os meios utilizados para custear a desapropriação sejam questionáveis.

Estes casos ilustram as consequências adversas da desafetação de áreas verdes, incluindo a perda de biodiversidade, a degradação ambiental e o comprometimento do bem-estar humano. Eles ressaltam a importância de políticas de proteção e planejamento sustentável para preservar esses espaços essenciais.

                                  *Imagem gerada por IA

 

O caso da PELOM em São José dos Campos

O Projeto de Emenda à Lei Orgânica Municipal (PELOM) para a mudança de destinação de áreas verdes e institucionais, proposto pela Prefeitura de São José dos Campos, e em votação na Câmara dos Vereadores, pode representar um grande retrocesso nas políticas públicas ambientais e de adaptação climática (cabe lembrar que o município sequer possui um Plano de Adaptação Climática!). Isso se deve ao fato de que a alteração pretendida é ampla e dá a prerrogativa ao Prefeito de fazer qualquer alteração, inclusive a conversão de áreas verdes para quaisquer finalidades, necessitando apenas da aprovação de um Projeto de Lei Complementar, cujo quórum necessário na Câmara dos Vereadores é menor do que o quórum qualificado de 2/3 para a aprovação de um PELOM.

Tal abertura é temerária, especialmente no âmbito de um governo que, literalmente, promove a “venda” da cidade, seja modificando o Plano Diretor e a Lei de Uso e Ocupação do Solo em prol da expansão imobiliária, seja por meio de projetos como o da concessão à iniciativa privada dos Parques da Cidade (Burle Marx), Vicentina Aranha e Alberto Simões (cabe lembrar que esta última iniciativa de privatização dos serviços públicos ocorre sem qualquer diálogo com a sociedade, e sem nem sequer passar pelos Conselhos Municipais pertinentes). Significa deixar nas mãos do prefeito um “cheque em branco”, já parcialmente assinado, restando apenas levantar as assinaturas da bancada governista na Câmara Municipal para consolidar retrocessos.

Uma eventual aprovação deste PELOM é também temerária diante das incertezas que vivemos por conta das mudanças climáticas e da importância da manutenção de TODAS as áreas verdes (e da criação de outras mais, como indica o Plano Diretor!) do município para a adaptação e resiliência da população aos impactos já vividos, de aumento da temperatura, da ocorrência de estiagens prolongadas e do aumento da frequência de eventos de chuva intensa, deslizamentos de terra e inundações.

Ademais, tudo acontece sem transparência para a sociedade e até mesmo para a Câmara dos Vereadores. Há absoluta carência de dados e informações mínimas para uma decisão tão importante. A Prefeitura não encaminhou junto ao PELOM uma justificativa embasada e detalhada sobre os problemas a resolver, as áreas em discussão, nem tampouco a destinação pretendida para cada uma delas. E a Câmara Municipal tem aceitado a imposição de votar tal projeto sem demandar um prazo mínimo para que uma análise racional seja realizada e a decisão dos vereadores seja tomada com base em amplo conhecimento do que estão votando. Alguns demonstram não saber os propósitos de áreas verdes e de áreas institucionais e outros confundem as áreas em suas tentativas de argumentar sobre o projeto. Seria cômico não fossem estes os que decidem o presente e o futuro da cidade e dos cidadãos. É trágico! Tal decisão sobre tema tão relevante não deveria ocorrer sem ao menos uma Audiência Pública na casa das leis. Idealmente deveriam ocorrer Audiências Públicas em cada região da cidade.

Diante destas informações e ponderações, seria de bom senso que o Prefeito Anderson Farias, por meio de sua base, retirasse o PELOM do regime de votação, e estabelecesse um diálogo informado com a população para endereçar as questões que o justificam. Ou ainda que os Vereadores, cônscios de seu papel precípuo de LEGISLADORES e de FISCAIS do Prefeito, rejeitassem o PELOM e promovessem Audiências Públicas em torno do tema, para um efetivo diálogo com a sociedade, e posterior tomada de decisão.

Referências

Sobre o Parque Augusta:

https://medium.com/@labdejo2018/a-luta-por-um-grande-bosque-verde-em-s%C3%A3o-paulo-o-parque-augusta-4a44f9fab41d

Sobre a Floresta do Camboatá:

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/rio-desiste-oficialmente-da-construcao-do-autodromo-de-deodoro/

Sobre o Parque do Cocó:

https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-09/abraco-simbolico-alerta-para-ameaca-area-de-protecao-ambiental-em-fortaleza

quarta-feira, 10 de julho de 2024

São José dos Campos como Tree City of the World: um ato falho?



Uma inquietação me fez escrever uma carta à The Arbour Day Foundation, questionando o "reconhecimento" dado à Prefeitura de São José dos Campos como Tree City of the World. Este reconhecimento é uma iniciativa da fundação, em associação com a FAO (Organização da ONU para Alimentação e Agricultura). Transcrevo aqui a troca de mensagens com a fundação, a qual buscava elucidar os motivos para a concessão do reconhecimento a uma cidade que, ao contrário do que propaga, não é exemplo no cuidado com a arborização urbana. 

"Dear all (from Arbor Day and FAO - Tree Cities of the World)

I'm a citizen from Sao Jose dos Campos (Sao Paulo state, Brazil) and I've seen some news stating that the municipality had been recognized as a Tree City by Arbor Day Foundation. That sounds strange for us (citizens) because, instead of a protective city for trees, the mayor and his staff have imposed several impacts over the city's trees. Therefore, the municipality doesn't fill the 5 steps for recognition as a tree city (according with your methodology), specially in the case of Standards 2, 3 and 4. About Standard 2 the municipality has recently elaborate a Urban Trees Policy, but it is a piece of controversy (several measures proposed by civil society were simply ignored and others, like the arbitrary power of releasing a tree cut, were inserted in) and even it's not a proper law yet (it's still discussing by the parliament). The city hasn´t an inventory of trees covering the entire urban zone, what turns down the Standard 3. And even the Standard 4 is not reached by the Sao Jose dos Campos municipality, once there are no dedicated budget for the tree management plan. Additionally, in the recent years the municipality have changed the Director Plan and Zoning Act put in risk the last protected area (which is part of a inquiry by the Public Prosecutor) and some urban trees places (one of them is subject of a large campaign entitled "Save the Betania Park", see in https://www.facebook.com/SALVEOBOSQUEBETANIA). So, by these appointments we ask you to review your "recognition" for Sao Jose dos Campos municipality, in order to keep the credibility of the program. 

Resposta da FAO

"Wilson Cabral, we appreciate your passion for trees in your community! Tree Cities of the World is a recognition programme, designed to provide positive encouragement to a city that meets five core standards for local tree programmes. Based on the information submitted by city leaders, São José dos Campos did meet these five standards for 2019. It remains to be seen if they will meet the five standards again in calendar year 2020, based on your comments. We will forward your complaint to them in an effort to connect you, and will encourage these leaders to work with citizens to find a solution that increases tree health and cover in the city. We ask that you do your part by working respectfully with local officials to address the issues that are important to you. Thank you."

Minha réplica...

"Dear Arbor Day representative, what I am advising you is that the municipality is not addressing a trees caring plan properly. Instead of that, they repeal the public participation on that issue and even DO NOT COMPLY with 3 of your 5 standards, as explained in my message. If you are interested we (me and colleagues with deal on this case) can show you pictures and real cases about the municipality practices related to urban trees. At the end of the day, there is a discourse of a good management, however, there is a practice in the opposite way. And you are awarding just the discourse. We are just trying to show you the real practice."

Em síntese: o "reconhecimento" da Arbour Day Foundation é ofertado a cidades que preenchem um formulário e preenchem alguns critérios (baseados nas informações da própria cidade, sem verificação pela fundação). O que eu tentei mostrar é que, baseado nos parâmetros da própria da fundação, a cidade de São José dos Campos NÃO preencheria os critérios para ter o "reconhecimento". A resposta foi simples: a fundação valoriza o ato de preencher os dados e acredita (sem verificar) que os dados preenchidos são reais. E não se importa caso haja desvios no fornecimento destes dados. Não importaria se não fosse importante! Árvores e florestas urbanas são fundamentais para as cidades e São José dos Campos simplesmente negligencia estes temas e se vale de marketing para mostrar o que não é! 

E aí: o que vocês acham?

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Agência Ambiental do Vale do Paraíba: a precarização do licenciamento ambiental no estado de SP


A aplicação do princípio da subsidiariedade, pelo qual questões políticas ou sociais de uma sociedade deveriam ser resolvidas na instância mais local de sua organização, com capacidade para tal, é um desígnio natural de uma sociedade madura. Porém, o açodamento ao adotar tal princípio, especialmente em relação à capacidade da instância local em solucionar os problemas e conflitos no processo decisório, pode levar a ações deletérias para a localidade e até para a sociedade como um todo.

Todo o transcurso da concepção e implantação da Agência Ambiental do Vale do Paraíba apresenta indícios claros de tal açodamento, consolidado com a transferência, pelo órgão licenciador estadual, das faculdades do licenciamento municipal para o Consórcio Intermunicipal criado para este fim. A motivação declarada, de 'agilizar' o licenciamento ambiental, por si só denota um possível trade off entre a velocidade e a robustez das análises ambientais, com prejuízo da segunda qualidade. 

Uma condição essencial para que os municípios possam gerir seus processos de licenciamento ambiental é a existência de um Conselho Municipal de Meio Ambiente no qual a participação social é representativa da sociedade, com equiparação quantitativa ao poder público e representantes independentes, que possam expressar de fato a opinião de suas bases representadas. Não é o que acontece com o Conselho Municipal de Meio Ambiente de São José dos Campos (COMAM), município que assumiu as articulações para a criação da Agência Ambiental do Vale do Paraíba. Um exemplo da distorção representativa naquele Conselho é a participação, como Instituição de Ensino e Pesquisa (Sociedade Civil), da Associação Parque Tecnológico de São José dos Campos, uma organização que mantém contrato de gestão com a Prefeitura Municipal, da qual depende, e tampouco exerce atividades próprias de ensino e pesquisa. Aliás, a ingerência do executivo municipal sobre o COMAM foi objeto, em passado recente, de pedido de exoneração coletivo dos representantes das instituições de ensino e pesquisa (UNESP, INPE e ITA), conforme relatado pela mídia local[1].

Na organização estabelecida para a Agência Ambiental, há uma clara dominância do poder público municipal, o qual define todos os principais cargos de direção, não obstante ocupados por comissionados, em detrimento de funcionários públicos efetivos. A Agência, portanto, não tem qualquer independência em relação ao poder público, do qual origina a maior parte dos objetos de licenciamento. Também os analistas da Agência Ambiental foram contratados em regime que inibe a autonomia em suas análises.

Outro aspecto importante é a publicidade dos dados e informações associadas aos processos de licenciamento. Idealmente, tais documentos deveriam estar disponíveis para os cidadãos interessados, de maneira a permitir um mínimo controle social sobre tais processos. No entanto, a plataforma digital da Agência privilegia o usuário empreendedor, parte interessada no processo, e não há disponibilidade de documentos e informações relevantes para o público em geral. Estas, de acordo com as informações divulgadas, só são encaminhadas sob demanda específica, a qual está sujeita ao poder discricionário da Diretoria da Agência, dificultando a obtenção de informações pelo público.

Estes fatos evidenciam a precariedade do licenciamento ambiental conduzido pela Agência Ambiental do Vale do Paraíba, e ensejam que diversos e urgentes aprimoramentos sejam necessários para que o papel subsidiário dos municípios seja exercido a contento para a sociedade. 

Neste contexto, é absolutamente temerário que uma decisão do CONSEMA outorgue aos municípios do Consórcio Público Agência Ambiental do Vale do Paraíba a faculdade de licenciamento de empreendimentos e atividades de ALTO IMPACTO ambiental.

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Cidades podem fazer muito mais para reduzir alagamentos

Texto em coautoria com Daniela Rizzi e Cecília Herzog, publicado na Folha de São Paulo, seção Tendências e Debates, de 24/08/2023.  

Link p/ acesso ao texto da Folha, na íntegra:

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/08/canalizar-corregos-e-pouco-para-reduzir-alagamentos.shtml


A Prefeitura de São Paulo anunciou um amplo programa de investimentos para canalizar 57 córregos do município até o final de 2024. O motivo é nobre: reduzir os impactos das chuvas em áreas urbanizadas.

Considerado o maior programa de canalização de córregos já realizado até hoje na capital, com aporte de R$ 630 milhões, o plano promete uma série de benefícios para a população. Mas será que as obras em curso são, realmente, a melhor escolha para a cidade?

Córrego Zavuvus, na zona sul de São Paulo. Divulgação/TCM-SP

Nosso imaginário ainda é dominado pela necessidade de investimento em grandes obras de engenharia convencional para solucionar os problemas urbanos. Contudo, foram esses projetos que potencializaram vulnerabilidades por tentarem controlar os processos e fluxos naturais, com impermeabilização do solo e canalização dos cursos d’água.

Em contraponto a essa lógica, intervenções que respeitam os processos e fluxos naturais podem trazer ampla gama de benefícios. Projetos com Soluções baseadas na Natureza (SbN) têm se mostrado mais eficazes na mitigação de inundações, como também economicamente mais vantajosos e com melhoria na qualidade de vida e bem-estar dos moradores. São ações para proteger, conservar, regenerar, usar de forma sustentável e gerir ecossistemas terrestres, de água doce, costeiros e marinhos naturais ou modificados, abordando desafios sociais, econômicos e ambientais de forma eficaz e adaptativa, ao mesmo tempo em que proporcionam bem-estar humano, serviços ecossistêmicos, resiliência e aumento da biodiversidade.

 




Em lugar de canalizar córregos, impondo-lhes margens rígidas, técnica que já se mostrou inócua em diversas situações, seria muito mais benéfica a mudança de paradigma, com a criação de áreas naturais para amortecimento do escoamento superficial, com o aumento da capacidade de detenção, retenção e infiltração das águas pluviais. Os cursos d’água podem —e devem— ser requalificados e "renaturalizados" sempre que possível.


 

Enterrado sob o asfalto, na maior parte de seu percurso, o Córrego das Corujas aparece na Vila Madalena, em trecho aberto na praça batizada com o mesmo nome. Zanone Fraissat/Folhapress

As Soluções baseadas na Natureza também contribuem para a saúde das pessoas e dos ecossistemas locais, melhoram a qualidade do ar, da água e do solo e amenizam a temperatura urbana, com a mitigação do "efeito ilha de calor". Portanto, investir em SbN também é uma estratégia eficiente para adaptação às mudanças do clima.

Um ponto positivo do plano anunciado pela Prefeitura de São Paulo é a criação de parques lineares ao longo do leito dos rios. Isso representa uma oportunidade ímpar para adotar infraestrutura natural em áreas multifuncionais, com a incorporação de espaços verdes de lazer, atividades físicas e recreativas para todos os moradores.

É urgente que as autoridades municipais considerem a adoção de SbN em seu planejamento e execução de projetos, principalmente relacionados aos rios e córregos urbanos, em macro e microdrenagem. Ao fazer isso, a cidade de São Paulo poderá se tornar um exemplo de inovação sustentável e colaborar para a construção de um futuro mais resiliente e saudável para seus habitantes, favorecendo a natureza e a biodiversidade urbana, também com impactos positivos para a economia.

quarta-feira, 2 de março de 2022

Ucrânia, neonazistas, economia e narrativas: invertendo pólos.

Ao me posicionar de forma contrária à invasão russa sobre a Ucrânia, recebi críticas à esquerda e à direita, num alinhamento que chega a ser paradoxal. As do campo da “direita” parecem se associar simplesmente à alegoria da visita de Bolsonaro a Putin: muitos de seus eleitores simplesmente passaram a refletir certa simpatia ao presidente russo e passaram a validar suas razões, quaisquer que sejam estas. Já as do campo da “esquerda” faziam alusão ao discurso de Putin, sobre realizar missão na Ucrânia para “desnazificar” o país. Prefiro argumentar em torno desta, afinal, rechaçar os neonazistas (e todo e qualquer grupo cujos princípios pressupõem a supremacia de uns ou a extinção de outros) em todo lugar é ato civilizatório. Mas pense se os EUA resolvessem invadir o Canadá para eliminar os neonazistas canadenses (que sabemos que existem até pelas fotos nas manifestações antivax)?

A charge do Junião é de 2014 e já criticava a visão simplista 
do conflito entre as superpotências em relação à Ucrânia

Sim, há uma histórica associação entre a Ucrânia e o nazismo, especialmente em função do apoio dado às tropas alemãs em algumas localidades ucranianas na 2ª guerra mundial. Apoio este que, em tempos de guerra e tendo esta população local sido submetida a restrições de todo tipo antes mesmo das disputas territoriais, pode ser interpretado até como uma bandeira salvacionista, significando um lampejo de independência para muitos. Tal “filme”, aliás, foi visto em diversos outros fronts de batalha mundo afora. 

No entanto, muito tempo se passou e embora os símbolos utilizados atualmente possam remeter ao passado, é muito difícil argumentar que os grupos neonazistas e fascistas da Ucrânia de hoje tenham raiz no apoio às tropas alemãs na 2ª guerra mundial. Tais grupos hoje se proliferam e crescem organicamente em todo o mundo, inclusive no Brasil. A propósito, traçando um paralelo, em terras tupiniquins parte das células neonazistas e fascistas está associada às milícias e grupos paramilitares cada vez mais armados, em função da atual política armamentista, e alavancada por esta facilitação do acesso a armamentos e munições (tema para outro texto). 

Voltando ao caso da Ucrânia, temo porque Putin não demonstra ter freios humanitários. Ele já vinha desgastado internamente e a economia russa não tem acompanhado as dos EUA, China e as principais economias da União Europeia, embora a Rússia se mantenha como uma das mais importantes potências bélicas do mundo. Ao mesmo tempo, é cara para a Rússia a perda de poder (ex.: nas negociações em torno dos dutos de gás natural russo que passam pela Ucrânia) numa possível aproximação da Ucrânia com o ocidente. A invasão, neste contexto, representaria um escape, uma cortina de fumaça que lhe poderia render até um alívio na popularidade em queda, se conseguisse insuflar o nacionalismo junto à população (russa e ucraniana pró-Rússia). 

Portanto, a questão é muito mais complexa do que o maniqueísmo de “direita” e de “esquerda” quer nos fazer acreditar. No fim do dia, não há “santos”: esta é uma guerra geopolítica onde superpotências bélicas e econômicas jogam com seus interesses no tabuleiro e as populações nos campos de batalha (de diversos países, inclusive, claro, os invadidos pelos EUA, com apoio da OTAN, e agora a Ucrânia) sofrem as consequências, quer seja perdendo vidas, quer seja passando privações ou tendo que se refugiar em terras estranhas. Enfim, essa guerra é lastimável e seus resultados, para todo o mundo, podem ser imprevisíveis.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

São José dos Campos (de Cerrado)... Ou São José dos Extintos Campos ?

A criação de um Parque Natural Municipal, em diversas situações, seria motivo de grande alegria para a população. Este seria o espírito esperado de um anúncio como o da criação do Parque Natural Municipal do Cerrado em São José dos Campos/SP. No entanto, a iniciativa gera muito mais preocupação do que alegria.

Em primeiro lugar, porque tal parque está sendo anunciado sem que esteja concluído o Plano Municipal de Mata Atlântica e Cerrado (PMMAC), o qual deveria estabelecer diretrizes para a conservação destes ambientes no município. Inclusive qual seria o regramento para estabelecer zonas de amortecimento e corredores a partir dos remanescentes de Mata Atlântica e Cerrado. O PMMAC teve sua elaboração iniciada no Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM) em 2019, mas até o momento a Prefeitura não apresentou a versão final, para debate público.

Voltando alguns passos na história recente, esta mesma gestão SUPRIMIU, por ocasião da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (vulgo Lei do Zoneamento, promulgada em 2019), 1.036 hectares de Zonas de Proteção Ambiental na mesma região. Esta área garantia minimamente a proteção de mais de 500 hectares em remanescentes de Cerrado (incluindo os famosos “campos”), além de estar toda inserida sobre área de recarga de aquíferos, cuja preservação é fundamental para a garantia da segurança hídrica na cidade. Sim, estes são os números! Suprimiu 1.036 hectares de proteção e agora propõe proteger um pequeno recorte de 30 hectares.

Mas isso não é tudo. Um dos principais fatores de proteção para a área a ser criada é o regramento dos usos em seu entorno, a chamada Zona de Amortecimento. Esta é tão importante quanto o parque, ainda mais quando se trata de uma área de proteção tão pequena para uma mostra tão preciosa do Cerrado joseense. A proposta apenas aponta algumas possíveis diretrizes, postergando a definição da zona de amortecimento. Dado o grau de ocupação atual na região e as pressões imobiliárias, há grande risco de que se degrade o ambiente de entorno antes de qualquer revisão do Plano Diretor (como propõe o texto) ou de definição posterior da Zona de Amortecimento. O ideal seria estabelecer a Zona de Amortecimento e seu regramento junto com a criação do Parque.



Neste contexto, algumas perguntas pairam sem respostas: a) Qual é a área total prioritária para conservação do Cerrado na região sul da cidade? Por que só destinam 30 hectares para o Parque? b) Quais são as áreas de conexão do Parque do Cerrado com os remanescentes de Cerrado na região Sul? c) Como estes corredores e os outros remanescentes serão protegidos? O que garante esta proteção, desde já?

O mundo caminha para mudanças transformadoras e a resiliência das cidades dependerá em grande monta, da capacidade de conservar ambientes naturais e ampliar as áreas sob proteção e restauração. Precisamos de um parque com dimensões muito maiores que os parcos 30 hectares destinados pelo município. Uma área cuja proteção inclua os corredores ecológicos e a ligação com diversos outros remanescentes de Cerrado ainda existentes. Afinal somos São José dos Campos de Cerrado. Ou não...?