terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Agência Ambiental do Vale do Paraíba: a precarização do licenciamento ambiental no estado de SP


A aplicação do princípio da subsidiariedade, pelo qual questões políticas ou sociais de uma sociedade deveriam ser resolvidas na instância mais local de sua organização, com capacidade para tal, é um desígnio natural de uma sociedade madura. Porém, o açodamento ao adotar tal princípio, especialmente em relação à capacidade da instância local em solucionar os problemas e conflitos no processo decisório, pode levar a ações deletérias para a localidade e até para a sociedade como um todo.

Todo o transcurso da concepção e implantação da Agência Ambiental do Vale do Paraíba apresenta indícios claros de tal açodamento, consolidado com a transferência, pelo órgão licenciador estadual, das faculdades do licenciamento municipal para o Consórcio Intermunicipal criado para este fim. A motivação declarada, de 'agilizar' o licenciamento ambiental, por si só denota um possível trade off entre a velocidade e a robustez das análises ambientais, com prejuízo da segunda qualidade. 

Uma condição essencial para que os municípios possam gerir seus processos de licenciamento ambiental é a existência de um Conselho Municipal de Meio Ambiente no qual a participação social é representativa da sociedade, com equiparação quantitativa ao poder público e representantes independentes, que possam expressar de fato a opinião de suas bases representadas. Não é o que acontece com o Conselho Municipal de Meio Ambiente de São José dos Campos (COMAM), município que assumiu as articulações para a criação da Agência Ambiental do Vale do Paraíba. Um exemplo da distorção representativa naquele Conselho é a participação, como Instituição de Ensino e Pesquisa (Sociedade Civil), da Associação Parque Tecnológico de São José dos Campos, uma organização que mantém contrato de gestão com a Prefeitura Municipal, da qual depende, e tampouco exerce atividades próprias de ensino e pesquisa. Aliás, a ingerência do executivo municipal sobre o COMAM foi objeto, em passado recente, de pedido de exoneração coletivo dos representantes das instituições de ensino e pesquisa (UNESP, INPE e ITA), conforme relatado pela mídia local[1].

Na organização estabelecida para a Agência Ambiental, há uma clara dominância do poder público municipal, o qual define todos os principais cargos de direção, não obstante ocupados por comissionados, em detrimento de funcionários públicos efetivos. A Agência, portanto, não tem qualquer independência em relação ao poder público, do qual origina a maior parte dos objetos de licenciamento. Também os analistas da Agência Ambiental foram contratados em regime que inibe a autonomia em suas análises.

Outro aspecto importante é a publicidade dos dados e informações associadas aos processos de licenciamento. Idealmente, tais documentos deveriam estar disponíveis para os cidadãos interessados, de maneira a permitir um mínimo controle social sobre tais processos. No entanto, a plataforma digital da Agência privilegia o usuário empreendedor, parte interessada no processo, e não há disponibilidade de documentos e informações relevantes para o público em geral. Estas, de acordo com as informações divulgadas, só são encaminhadas sob demanda específica, a qual está sujeita ao poder discricionário da Diretoria da Agência, dificultando a obtenção de informações pelo público.

Estes fatos evidenciam a precariedade do licenciamento ambiental conduzido pela Agência Ambiental do Vale do Paraíba, e ensejam que diversos e urgentes aprimoramentos sejam necessários para que o papel subsidiário dos municípios seja exercido a contento para a sociedade. 

Neste contexto, é absolutamente temerário que uma decisão do CONSEMA outorgue aos municípios do Consórcio Público Agência Ambiental do Vale do Paraíba a faculdade de licenciamento de empreendimentos e atividades de ALTO IMPACTO ambiental.

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