quarta-feira, 2 de março de 2022

Ucrânia, neonazistas, economia e narrativas: invertendo pólos.

Ao me posicionar de forma contrária à invasão russa sobre a Ucrânia, recebi críticas à esquerda e à direita, num alinhamento que chega a ser paradoxal. As do campo da “direita” parecem se associar simplesmente à alegoria da visita de Bolsonaro a Putin: muitos de seus eleitores simplesmente passaram a refletir certa simpatia ao presidente russo e passaram a validar suas razões, quaisquer que sejam estas. Já as do campo da “esquerda” faziam alusão ao discurso de Putin, sobre realizar missão na Ucrânia para “desnazificar” o país. Prefiro argumentar em torno desta, afinal, rechaçar os neonazistas (e todo e qualquer grupo cujos princípios pressupõem a supremacia de uns ou a extinção de outros) em todo lugar é ato civilizatório. Mas pense se os EUA resolvessem invadir o Canadá para eliminar os neonazistas canadenses (que sabemos que existem até pelas fotos nas manifestações antivax)?

A charge do Junião é de 2014 e já criticava a visão simplista 
do conflito entre as superpotências em relação à Ucrânia

Sim, há uma histórica associação entre a Ucrânia e o nazismo, especialmente em função do apoio dado às tropas alemãs em algumas localidades ucranianas na 2ª guerra mundial. Apoio este que, em tempos de guerra e tendo esta população local sido submetida a restrições de todo tipo antes mesmo das disputas territoriais, pode ser interpretado até como uma bandeira salvacionista, significando um lampejo de independência para muitos. Tal “filme”, aliás, foi visto em diversos outros fronts de batalha mundo afora. 

No entanto, muito tempo se passou e embora os símbolos utilizados atualmente possam remeter ao passado, é muito difícil argumentar que os grupos neonazistas e fascistas da Ucrânia de hoje tenham raiz no apoio às tropas alemãs na 2ª guerra mundial. Tais grupos hoje se proliferam e crescem organicamente em todo o mundo, inclusive no Brasil. A propósito, traçando um paralelo, em terras tupiniquins parte das células neonazistas e fascistas está associada às milícias e grupos paramilitares cada vez mais armados, em função da atual política armamentista, e alavancada por esta facilitação do acesso a armamentos e munições (tema para outro texto). 

Voltando ao caso da Ucrânia, temo porque Putin não demonstra ter freios humanitários. Ele já vinha desgastado internamente e a economia russa não tem acompanhado as dos EUA, China e as principais economias da União Europeia, embora a Rússia se mantenha como uma das mais importantes potências bélicas do mundo. Ao mesmo tempo, é cara para a Rússia a perda de poder (ex.: nas negociações em torno dos dutos de gás natural russo que passam pela Ucrânia) numa possível aproximação da Ucrânia com o ocidente. A invasão, neste contexto, representaria um escape, uma cortina de fumaça que lhe poderia render até um alívio na popularidade em queda, se conseguisse insuflar o nacionalismo junto à população (russa e ucraniana pró-Rússia). 

Portanto, a questão é muito mais complexa do que o maniqueísmo de “direita” e de “esquerda” quer nos fazer acreditar. No fim do dia, não há “santos”: esta é uma guerra geopolítica onde superpotências bélicas e econômicas jogam com seus interesses no tabuleiro e as populações nos campos de batalha (de diversos países, inclusive, claro, os invadidos pelos EUA, com apoio da OTAN, e agora a Ucrânia) sofrem as consequências, quer seja perdendo vidas, quer seja passando privações ou tendo que se refugiar em terras estranhas. Enfim, essa guerra é lastimável e seus resultados, para todo o mundo, podem ser imprevisíveis.

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