sexta-feira, 6 de junho de 2025

Uma cidade à venda! E para alguns pode ser uma pechincha...

A última versão do Plano Diretor do município de São José dos Campos, no estado de São Paulo, foi promulgada em 2018. Na ocasião, o então prefeito Felício Ramuth (hoje vice-governador do estado), e seu secretário de Urbanismo, Marcelo Manara, começavam a moldar o que se consolidou nos últimos anos: uma cidade à venda!  Um dos pilares deste movimento foi a instituição, no Plano Diretor, de um instrumento que permite que construtoras ampliem a área construída acima do gabarito básico estabelecido, desde que paguem por esta “outorga”. No entanto, no mesmo Plano Diretor, foi criado um mecanismo que permite às construtoras reduzirem o valor pago pela outorga, caso adotassem “técnicas sustentáveis”. À época, esse instrumento foi anunciado como um grande feito, digno das urbanidades mais avançadas. Até seria, sob critérios rigorosos e controle social. Afinal, quem define os limites máximos da permissão, e com que base técnica? E, para fins de concessão de descontos no valor a pagar por descumprir o gabarito básico, as “técnicas sustentáveis” deveriam ser o que há de mais avançado do mercado, sinalizando uma meta ambiciosa. No entanto, a tabela lançada no Plano Diretor contemplava diversos itens que já eram adotados nos procedimentos básicos das construtoras. Assim, o ‘glorioso’ instrumento serviu para conceder descontos “compulsórios”, tornando a outorga pouco ou quase nada onerosa.

Sete anos depois, agora sob a gestão do prefeito Anderson Farias, e do mesmo secretário anterior, a Prefeitura apresenta à Câmara proposta de revisão do Plano Diretor que altera a tabela do Fator de Sustentabilidade que incide sobre descontos da Outorga Onerosa do Direito de Construir. E o que era ruim fica pior com a proposta atual: o número de “técnicas sustentáveis” foi ampliado de 28 para 91, incluindo nova leva com o mesmo vício: muitas dessas técnicas já são procedimentos padronizados da construção civil. Com tantos itens, ficou mais fácil obter descontos. Além disso, a proposta atual reduz o valor da contrapartida financeira ao alterar sua fórmula: um bônus adicional para o construtor que optou por construir além do gabarito básico. A cidade está à venda e por um valor cada vez menor!

Como se não bastasse, a proposta cria um novo instrumento: a Outorga Onerosa por Alteração do Uso. Esta nada mais é do que a possibilidade de pagar para burlar os parâmetros de uso da zona em que se encontra o imóvel. Ou seja, pagar para não respeitar o zoneamento. A proposta libera este instrumento para a Macrozona de Potencial Turístico (MZPT, Figura 1), no meio rural, e para as Zonas de Uso Diversificado (ZUD, Figura 2), no meio urbano.


Figura 1. Macrozonas de Interesse Ambiental. Em azul, a MZPT. Fonte: PMSJC/SEURBS, 2019.

 São mais de 60 milhões de metros quadrados (ou 6 mil campos de futebol) em que o uso pode ser flexibilizado na MZPT, uma região cujo objetivo de ocupação é proteger o manancial da bacia do rio Jaguari, e outros 6 milhões de metros quadrados (ou 600 campos de futebol) nas Zonas de Uso Diversificado, em áreas urbanas.

Figura 2. ZM5 e ZUD no Zoneamento Municipal.

A proposta para alteração do zoneamento, dentre outras coisas mais pontuais, flexibiliza a construção de edificações com testada ou área inferiores ao mínimo estabelecido para a zona do imóvel, para alguns usos, dentre eles a Zona Mista 5 (ZM5, Figura 2). Nesta, cuja flexibilização era permitida apenas para o uso residencial, pela proposta também é permitida para imóveis de uso comercial, serviços e até industriais de baixo impacto. Esta flexibilização alcança cerca de 1,8 milhões de metros quadrados (ou 1800 campos de futebol). Nota: a justificativa do Prefeito é que isso beneficiaria imóveis mais antigos, no centro da cidade. No entanto, no caso da ZM5, a maioria das áreas está nas regiões norte, leste e sudeste do município.

A proposta de revisão do Plano Diretor e Zoneamento deixa para uma lei complementar a definição dos critérios de alteração. Importante lembrar que a atual gestão conta com maioria na Câmara e pode aprovar uma lei complementar quando quiser. Parece outro “cheque em branco” a ser passado para a administração municipal, cujo cumprimento do Plano Diretor tem sido precário. Basta pensar que, dos 8 instrumentos apontados para a execução do plano, apenas 2 têm sido objeto de ações do executivo. Itens importantes como o Estudo de Impacto de Vizinhança, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU progressivo), o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC), e a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, são itens que poderiam resolver boa parte dos problemas do município, mas são menosprezados pela administração. Em tempo: seu uso poderia incomodar os que detêm o poder econômico e beneficiaria a parcela mais vulnerável da população. Fácil entender quem ganha e quem perde com as mudanças propostas no Plano Diretor e no Zoneamento municipal.

Referências 

Lei do Plano Diretor vigente

https://www.sjc.sp.gov.br/media/239183/lc-612_compilada-revisada_665-e-668.pdf 

Lei do Zoneamento vigente (LPUOS)

https://www.sjc.sp.gov.br/media/239111/lc-623_2019-compilada-lc-667_2023.pdf

Proposta de alteração do Plano Diretor (maio/2025)

https://www.sjc.sp.gov.br/media/309981/rev_pddi_05-05-2025_minuta_site.pdf

Proposta de alteraçao da Lei de Zoneamento (maio/2025)

https://www.sjc.sp.gov.br/media/309979/rev_lpuos_05-05-2025_minuta_site.pdf 

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