A Câmara Municipal de São José dos Campos está para definir, em segundo turno, uma alteração no artigo 258 da Lei Orgânica Municipal, permitindo a mudança de destinação de áreas verdes e institucionais pela Prefeitura. Saiba o que está em risco.
A Lei Federal 6.766, em 1979 estabeleceu o regramento básico sobre o parcelamento do solo urbano nos municípios. Esta lei definiu, dentre outras coisas, os espaços públicos e sua destinação. Os espaços públicos incluem áreas verdes, institucionais e de lazer. A Lei Orgânica do Município (LOM) de São José dos Campos, promulgada em 1990, em seu Artigo 258 proíbe a alteração da destinação de áreas verdes e institucionais. Ou seja, uma vez definida uma área verde ou institucional em projetos de parcelamento do uso do solo (loteamentos), esta área não poderá ter sua destinação alterada posteriormente.
Áreas Verdes e Institucionais: sua importância para as cidades
No espaço público de qualquer cidade, as áreas verdes e institucionais desempenham um papel essencial na qualidade de vida urbana. São espaços que não apenas embelezam, mas também têm funções ecológicas, sociais e econômicas, contribuindo significativamente para o bem-estar das populações urbanas.
As áreas verdes são fundamentais para a manutenção do equilíbrio ambiental nas cidades. Elas atuam como reguladoras do clima, ajudando a reduzir a temperatura das cidades, reter gases poluentes e aumentar a umidade do ar. Além disso, são essenciais para a conservação da biodiversidade, funcionando como habitats para diversas espécies de fauna e flora. Além de sua função ecológica, estas áreas oferecem espaços de lazer e recreação, fundamentais para a saúde física e mental da população. A presença de parques e jardins públicos incentiva a prática de atividades físicas, promove o convívio social e melhora a qualidade de vida.
As áreas verdes urbanas são cada vez mais reconhecidas por seus serviços ecossistêmicos essenciais, especialmente em um contexto de desafios climáticos intensificados. Veja no quadro abaixo um breve resumo dos principais serviços ecossistêmicos proporcionados por essas áreas.
As áreas institucionais, por sua vez, são destinadas à
instalação de equipamentos urbanos e comunitários, como escolas, postos de
saúde e centros culturais. Elas são cruciais para garantir que a infraestrutura
urbana atenda às necessidades de seus habitantes, proporcionando acesso a
serviços essenciais. Essas áreas asseguram que o desenvolvimento urbano seja
acompanhado por uma infraestrutura que suporte o bem-estar da comunidade,
evitando a sobrecarga dos serviços públicos e garantindo que as necessidades
dos habitantes sejam atendidas de forma adequada. Têm papel fundamental para um
planejamento urbano mais equilibrado e sustentável e para a garantia dos
direitos sociais e a inclusão nas cidades.
Mudança de destinação
e seus impactos
Modificar a destinação de áreas verdes e institucionais pode
acarretar sérios prejuízos para a sociedade. Um exemplo é a redução de áreas verdes
em favor de novos empreendimentos imobiliários, o que pode aumentar a densidade
populacional sem a correspondente ampliação da infraestrutura urbana,
resultando em sobrecarga dos serviços públicos e degradação ambiental.
Casos emblemáticos demonstram que a perda de áreas verdes
pode levar a problemas como aumento de inundações e deslizamentos de terra,
devido à remoção da cobertura vegetal e impermeabilização do solo. Além disso,
a falta de áreas institucionais adequadas pode comprometer a oferta de serviços
públicos essenciais.
A sociedade tem reagido em todo o país às tentativas de
alteração de áreas verdes e institucionais. Um caso emblemático ocorreu alguns
anos atrás no Rio de Janeiro, onde a Prefeitura projetou a implantação de um
autódromo na Floresta do Camboatá, uma importante área verde da cidade. A área
é um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica no Rio de Janeiro, e sua
destruição poderia ter impactos severos na biodiversidade local e no clima
urbano. Após mobilização da sociedade e exposição do caso na mídia, a
Prefeitura recuou e desistiu do projeto, reconhecendo a importância daquela floresta
para a sociedade.
Em Fortaleza, um dos maiores parques urbanos do país, o
Parque do Cocó, foi objeto, anos atrás, de projeto de implantação de novas
estruturas de mobilidade urbana, incluindo viadutos e alças de acesso, com
consequente perda de serviços ecossistêmicos. Além disso, há projetos de
empreendimentos imobiliários que pressionam as bordas do parque continuamente.
A mobilização da sociedade, contrária à alteração de destinação, tem conseguido
manter o parque com seu propósito original, de área verde.
Mais recentemente, em Salvador, diversos casos de leilões de
áreas verdes pela Prefeitura Municipal foram alvos de denúncias da sociedade,
com reflexos na imprensa nacional e ações do Ministério Público. Em um curto
período de tempo, foram mais de 44 terrenos em áreas verdes com destinação
alterada e muitos colocados a venda. As principais queixas incluíram a perda de
serviços ecossistêmicos, argumentos de inconstitucionalidade, ausência de
consulta ou audiência pública e até valores abaixo dos praticados no mercado.
Um caso emblemático ilustra a mobilização da sociedade pela
criação de uma área verde, em detrimento de novos empreendimentos imobiliários.
O Parque Augusta, em São Paulo, cuja área foi declarada de utilidade pública
para ser transformada em área verde foi objeto de projetos de expansão
imobiliária pelos proprietários (duas construtoras). As tentativas de
transformar parte do terreno em empreendimentos imobiliários gerou grande
oposição pública devido à importância da área como espaço de lazer verde no
centro da cidade. Após mais de 30 anos de disputa, a sociedade conquistou não
só a manutenção da área verde, mas também a efetiva criação do Parque Augusta,
inaugurado em 2019, ainda que os meios utilizados para custear a desapropriação
sejam questionáveis.
Estes casos ilustram as consequências adversas da
desafetação de áreas verdes, incluindo a perda de biodiversidade, a degradação
ambiental e o comprometimento do bem-estar humano. Eles ressaltam a importância
de políticas de proteção e planejamento sustentável para preservar esses
espaços essenciais.
*Imagem gerada por IA
O caso da PELOM em
São José dos Campos
O Projeto de Emenda à Lei Orgânica Municipal (PELOM) para a
mudança de destinação de áreas verdes e institucionais, proposto pela
Prefeitura de São José dos Campos, e em votação na Câmara dos Vereadores, pode
representar um grande retrocesso nas políticas públicas ambientais e de adaptação
climática (cabe lembrar que o município sequer possui um Plano de Adaptação
Climática!). Isso se deve ao fato de que a alteração pretendida é ampla e dá a
prerrogativa ao Prefeito de fazer qualquer alteração, inclusive a conversão de
áreas verdes para quaisquer finalidades, necessitando apenas da aprovação de um
Projeto de Lei Complementar, cujo quórum necessário na Câmara dos Vereadores é menor
do que o quórum qualificado de 2/3 para a aprovação de um PELOM.
Tal abertura é temerária, especialmente no âmbito de um
governo que, literalmente, promove a “venda” da cidade, seja modificando o
Plano Diretor e a Lei de Uso e Ocupação do Solo em prol da expansão
imobiliária, seja por meio de projetos como o da concessão à iniciativa privada
dos Parques da Cidade (Burle Marx), Vicentina Aranha e Alberto Simões (cabe
lembrar que esta última iniciativa de privatização dos serviços públicos ocorre
sem qualquer diálogo com a sociedade, e sem nem sequer passar pelos Conselhos
Municipais pertinentes). Significa deixar nas mãos do prefeito um “cheque em
branco”, já parcialmente assinado, restando apenas levantar as assinaturas da
bancada governista na Câmara Municipal para consolidar retrocessos.
Uma eventual aprovação deste PELOM é também temerária diante
das incertezas que vivemos por conta das mudanças climáticas e da importância
da manutenção de TODAS as áreas verdes (e da criação de outras mais, como
indica o Plano Diretor!) do município para a adaptação e resiliência da
população aos impactos já vividos, de aumento da temperatura, da ocorrência de
estiagens prolongadas e do aumento da frequência de eventos de chuva intensa, deslizamentos
de terra e inundações.
Ademais, tudo acontece sem transparência para a sociedade e
até mesmo para a Câmara dos Vereadores. Há absoluta carência de dados e
informações mínimas para uma decisão tão importante. A Prefeitura não
encaminhou junto ao PELOM uma justificativa embasada e detalhada sobre os problemas
a resolver, as áreas em discussão, nem tampouco a destinação pretendida para
cada uma delas. E a Câmara Municipal tem aceitado a imposição de votar tal
projeto sem demandar um prazo mínimo para que uma análise racional seja
realizada e a decisão dos vereadores seja tomada com base em amplo conhecimento
do que estão votando. Alguns demonstram não saber os propósitos de áreas verdes
e de áreas institucionais e outros confundem as áreas em suas tentativas de
argumentar sobre o projeto. Seria cômico não fossem estes os que decidem o
presente e o futuro da cidade e dos cidadãos. É trágico! Tal decisão sobre tema
tão relevante não deveria ocorrer sem ao menos uma Audiência Pública na casa
das leis. Idealmente deveriam ocorrer Audiências Públicas em cada região da
cidade.
Diante destas informações e ponderações, seria de bom senso
que o Prefeito Anderson Farias, por meio de sua base, retirasse o PELOM do
regime de votação, e estabelecesse um diálogo informado com a população para
endereçar as questões que o justificam. Ou ainda que os Vereadores, cônscios de
seu papel precípuo de LEGISLADORES e de FISCAIS do Prefeito, rejeitassem o PELOM
e promovessem Audiências Públicas em torno do tema, para um efetivo diálogo com
a sociedade, e posterior tomada de decisão.
Referências
Sobre o Parque Augusta:
https://medium.com/@labdejo2018/a-luta-por-um-grande-bosque-verde-em-s%C3%A3o-paulo-o-parque-augusta-4a44f9fab41d
Sobre a Floresta do Camboatá:
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/rio-desiste-oficialmente-da-construcao-do-autodromo-de-deodoro/
Sobre o Parque do Cocó:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-09/abraco-simbolico-alerta-para-ameaca-area-de-protecao-ambiental-em-fortaleza